Afinal onde está o poder?

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No atual cenário de pandemia, temos ainda que conviver com um excesso de notícias que, por vezes, nos deixam mais confusos e desinformados. Uma das questões que ouço com recorrência é “afinal, de quem é o poder para estabelecer as medidas de combate?” Por meio de decisão do STF no mês de março, ficou estabelecido que os estados e municípios tem o poder de estabelecer regras e tomar decisões sobre medidas sanitárias em conjunto (mas sem necessitar de autorização) com o Ministério da Saúde e ANVISA (que representam a União) e restrições excepcionais e temporárias de circulação de pessoas dentro do território e em portos, aeroportos e rodovias por ocasião do combate à pandemia.

Desde então ficam governadores e prefeitos de um lado e o governo federal de outro em uma espécie de disputa de cabo de guerra, mas o que ninguém te conta é que existe algo chamado “estrutura do estado federativo”, que é a forma que a Constituição, em seu artigo 1º, estabelece a organização dos entes administrativos que compõem um país, em nosso caso União, Distrito Federal[1], os estados e os municípios.

A forma como o Estado está organizado se relaciona à maneira pela qual o poder político é exercido no território e quando este for compartilhado com outras coletividades regionais, está-se diante da Federação. De acordo com esse compartilhamento de poderes a União se sobressai e os estados devem respeitar as leis federais, seguidos do município, que deve respeitar as leis federais e estaduais, nas hipóteses previstas na Constituição.

Isto posto, os entes federados são dotados de autonomia política, administrativa e financeira, ou seja, podem se auto organizar e exercer a parcela de poder que cabe à sua esfera. Desde que respeitado o que prevê a Constituição Federal, cada ente pode elaborar suas leis, administrar seus bens públicos, arrecadar recursos e aplicá-los segundo suas leis orçamentárias, prestar serviços públicos, realizar obras públicas e executar políticas públicas específicas para seu território.

Essas funções são chamadas de competências e podem ser exercidas de acordo com a abrangência do interesse. Se o assunto é de predominante interesse nacional ou federal a competência é da União. Se o assunto é de predominante interesse local a competência é do município e se o assunto é de interesse regional ou estadual a competência é do estado. Por exemplo, a União somente pode intervir na autonomia das demais esferas em caso de risco à integridade nacional, invasão estrangeira ou entre entes, comprometimento da ordem pública e garantia do livre exercício dos poderes (executivo, legislativo ou judiciário) e demais termos que constam nos artigos 34 e 35 da Constituição de 1988[2].

Ficou claro? A autonomia de estados e municípios não foi invenção da pandemia ou é uma reação ao governo atual, é uma característica organizacional do nosso país. O que tem chamado atenção nesse momento é a falta de cooperação e respeito entre os entes, que geralmente ocorre em tempo comum, quando cada ente administra sua esfera segundo suas particularidades, interesses e competências, recorrendo à União em situações específicas.

Resta destacar que essa falta de harmonia observada no momento atual é resultado de uma falta de organização, diálogo e orientação da esfera federal em relação aos demais entes, sobre qual o plano de contingência nacional (se é que existe um). As ações de combate à pandemia deveriam ter sido planejadas de forma coordenada entre os entes federados e os respectivos órgãos competentes. A despeito dessa falha na esfera federal, alguns gestores estaduais conseguiram estabelecer seus parâmetros gerais de combate à pandemia em acordo com os gestores municipais, respeitando as particularidades de cada região e município, de forma coordenada. Outros, infelizmente se afastam de suas responsabilidades como gestores e líderes enquanto tentam se destacar política e eleitoralmente, dificultando as ações de enfrentamento em suas regiões e causando rachaduras no pacto federativo.

 

[1] O Distrito Federal é uma espécie de estado neutro, pois nele se situa a capital federal, Brasília. Nem Brasília nem as cidades-satélites são municípios e os eleitores do Distrito Federal votam no governador, mas não votam em prefeitos ou vereadores. As cidades-satélites são administradas por autoridades nomeadas pelo governador do Distrito Federal, que exerce funções atribuídas a estados e municípios.

 

[2] Artigo 34 da Constituição de 1988.

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