Em primeiro lugar, é importante lembrar que o processo eleitoral é um rito cultural. Com atenção especial nas cidades menores, onde os representantes políticos estão mais próximos e uma boa parte da geração de emprego e renda gira em torno do poder público, as pessoas param para falar sobre o assunto, se envolvem e a agenda econômica e social das pessoas gira em torno da campanha.
Há ainda os fatores “contato humano” e “acesso”, que a campanha proporciona, quando os cidadãos podem se aproximar, conhecer e conversar com os candidatos e não há rede social que supere isso. Não quero dizer, porém, que as aglomerações volumosas que estamos vendo durante a campanha sejam recomendáveis, ou ainda aceitáveis. Mas alguns pontos nesse quadro me preocupam.
Ouvi um jornalista dizer que era preciso “tomar medidas drásticas” para reprimir as aglomerações que estão ocorrendo durante as campanhas. Mas o que seriam “medidas drásticas”? A Justiça eleitoral já vem firmando acordos com candidatos e candidatas e partidos para evitar que estes promovam atos que ultrapassem o que a legislação extraordinária da pandemia prevê.
Mas veja, podemos defender que as pessoas sejam impedidas de sair de casa? De manifestar suas preferências políticas? Excetuando os casos absurdos onde se encontram multidões sem máscaras, eventos menores, que respeitem as regras estabelecidas (e o bom senso), manifestações espontâneas (sim, os candidatos e suas equipes não tem o controle de tudo e não promovem todas os eventos, especialmente nas cidades pequenas onde a disputa política é bastante apaixonada e toda a população se envolve). Ouvir um profissional de comunicação e, em alguns casos, autoridades judiciais defender repressão e utilizando a palavra “drástica” me preocupa.
Você pode achar que eu tenho essa opinião porque trabalho com política e eleições, mas se trata de algo maior. É preciso observar que pesos e medidas têm sido utilizados pelas autoridades para lidar com a liberdade das pessoas e com seu direito de exercer a cidadania em meio a essa pandemia. Tem maior aglomeração que um shopping no sábado à tarde? Não sei na sua cidade, mas na minha só um deles deve ter umas 1.000 pessoas no mínimo em uma tarde dessas. As crianças não podem ir à escola, mas circulam livremente nas praias, shoppings, piscinas, restaurantes. Você pode entrar num avião com mais umas 300 pessoas e um cidadão não pode manifestar sua preferência política durante uma campanha?
Lembrando que a primeira preocupação de alguns políticos e gestores foi pedir o adiamento das eleições, alegando motivos sanitários, mas pedindo extensão de mandato de dois anos. Vimos logo do que se tratava e não era bem da preocupação com a vida e saúde das pessoas.
É preciso ter bom senso. Os candidatos e candidatas precisam ter bom senso para não expor as pessoas e já há pesquisas que revelam que as pessoas estão rejeitando candidatos e candidatas que desrespeitam as regras sanitárias, portanto, estão conscientes de suas ações. Mas defender que é legítimo reprimir as pessoas? Não concordarei com isso em tempo algum.
É preciso lembrar que vivemos em uma democracia e ela tem esses dilemas, as pessoas são livres, para o bem ou para o mal. O que eu posso fazer como cidadão é respeitar as orientações e tentar conscientizar o próximo. O que as autoridades podem fazer é ter muito bom senso, pois detém o poder de coerção e esse precisa ser muito bem dosado.
Estamos atravessando uma situação totalmente inédita, pelo menos para essa geração, e temos que vigiar com muito cuidado o que tem sido feito para nos proteger e o que tem sido feito “sob alegação de nos proteger”.