É um fato que o ano de 2018 foi o ápice de um processo de insatisfação popular com a atuação política de seus líderes. Os níveis de confiança política, utilizados para avaliação de desempenho dos representantes, vem caindo a passos largos nos últimos dez anos. De acordo com dados do Latinobarômetro[1] (um mass survey que compila dados sobre comportamento político nos países da América Latina), chegamos ao ano de 2018 com 12% de confiança no Congresso Nacional e apenas 6% de confiança no Governo Federal e nos Partidos Políticos, respectivamente. Não há como negar que trata-se de uma situação crítica na qual os dados revelam a desaprovação generalizada em relação às condutas dos integrantes das principais instituições representativas do país.
Somado a esse quadro que já oscilava negativamente desde o fim da década anterior, tivemos a publicitação de escândalos políticos como o Mensalão e do escândalo da Petrobrás, revelando condutas políticas em desacordo com os princípios democráticos (para dizer o mínimo) e levando 90% dos cidadãos brasileiros a afirmar que os políticos atuam apenas em benefício de si e de seu grupo (também de acordo com dados do Latinobarômetro de 2018). Com a implicação de quase todos os partidos políticos nos escândalos citados, o cenário eleitoral de 2018 não contou com novos rostos “confiáveis” e o então deputado Jair Bolsonaro, de perfil e partido quase desconhecidos nacionalmente, conseguiu captar os sentimentos de insatisfação da maioria da população e foi eleito presidente[2].
Assim, a tônica de 2018 foi a renovação. Uma nova forma de fazer campanha se consolidou com as redes sociais, novos rostos dominaram o Congresso Nacional que teve um renovação de 47% na Câmara e 85% no Senado, outsiders da política se tornaram governadores em estados proeminentes como São Paulo. Porém, uma nova forma de agir politicamente não tem se encaixado bem como resultado desse ciclo: o estado de campanha permanente. Desde o final do segundo turno da eleição de 2018, políticos de situação e oposição continuam a se comportar como se ainda estivessem em campanha, com discursos de efeito, ataques e contra-ataques, debates e entrevistas sobre o cenário de 2022 e tomada de decisões políticas baseadas na “temperatura” das redes sociais e no ciclo de notícias. Mas o que ninguém te conta é que dentro da atividade política existe o ambiente da eleição e o ambiente da gestão e quase tudo entre eles se comporta de maneira diferente. O tempo, o humor, as informações e as decisões obedecem à lógicas distintas que, se deslocadas, interferem diretamente no exercício democrático.
Em uma eleição os políticos tem um recorte temporal específico para apresentar aos cidadãos suas propostas, perfil pessoal, experiências anteriores e recolher informações sobre o ambiente político, sobre as opiniões das pessoas e preferências e, antes de serem eleitos, não estão aptos a tomar decisões em nome do povo. Uma vez eleitos, devem executar os projetos que apresentaram, observando o complexo equilíbrio entre a vontade popular, os interesses partidários e os interesses do Estado, ou seja, governar. É tempo de gestão. Enquanto há campanha não há gestão e, estando em um ambiente eleitoral estendido, como aparentemente estamos desde 2018, as decisões políticas ficam comprometidas. O planejamento e a gestão pública ficam ao sabor das micro crises diárias criadas pela falta de postura dos representantes políticos, por postagens indevidas, discussões pessoais, avaliações baseadas em opiniões pessoais ou fake news e ego, muito ego.
O que o presidente eleito e a oposição não entenderam ainda é que houve uma eleição! O presidente foi eleito, para alegria de uns e tristeza de outros, como sempre ocorreu na história democrática. E, se foi eleito, precisa governar não apenas para seus eleitores (ou fãs, como são tratados), precisa se ater às propostas que fez, confiar na equipe que tem e ouvir as necessidades da sociedade com responsabilidade. A oposição precisa entender de democracia, o resultado da eleição é soberano, não só quando o seu grupo ganha. A fiscalização do governo (diferente de ataque), a colaboração quando necessário e a garantia de atenção às necessidades dos cidadãos também são responsabilidade da oposição. Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos, o que representa mais de 57 milhões de brasileiros. Alguns desses talvez tenham se arrependido, mas é por isso que poderão avaliar novamente e votar em 2022, até lá é preciso que o país seja conduzido, e ambas as partes tem seu papel nisso, que deve ser exercido com responsabilidade em nome dos cidadãos.
Eu sou otimista demais? Não! Quando se estuda política a natureza humana se revela na busca do poder, mas temos que buscar constantemente a sociedade que queremos, os políticos não são diferentes de nós e eles atuam da forma como permitimos. Estamos vivendo em um programa de auditório ruim há tempo demais, não somos uma plateia, somos cidadãos de um país e assim devemos nos comportar. Elegemos presidente, governadores, senadores, deputados estaduais e federais para que possam gerir o país e nos representar e é dessa forma que devemos exigir que ajam.
[1] Conferir dados completos em www.latinobarometro.org.
[2] Não irei aqui analisar todos os fatores que resultaram na eleição de Bolsonaro, pois seria necessário um post específico. O foco aqui é o cenário e a resposta dos representantes a ele.