Nas eleições de 2020, uma das tendências observadas foi o incremento da presença das mulheres no cenário eleitoral, como candidatas a vereadoras, prefeitas, vice-prefeitas. Já somos a maioria do eleitorado há mais de uma década, mas se tratando do número de representantes em cargos eletivos ainda há muito o que avançar, embora a mudança na legislação eleitoral a respeito das coligações proporcionais tenha sido de grande incentivo.
15% do Congresso Nacional é composto por mulheres, com 12 senadoras e 77 deputadas. Esse ano 33,6% das candidaturas registradas foram de mulheres, superando a cota mínima obrigatória, 9 mil mulheres foram eleitas vereadoras representando 16% no cargo, 12% eleitas no cargo de prefeitas e 21% no de vice-prefeitas, apresentando um aumento em relação à eleição de 2016 e confirmando a tendência crescente. Mas há ainda algo de extremamente positivo que esses números não contam.
Em 1994, em uma extensa pesquisa sobre cultura e comportamento, os pesquisadores Patrícia Aburdene e John Naisbitt apontaram as Megatendências para as mulheres (esse é o nome do livro que resultou da pesquisa) em diversas áreas e, no campo da política uma das tendências mais significativas era que as mulheres eram vistas como mais confiáveis que os homens pois eram “novatas” na política e não estariam contaminadas pelos jogos de poder. Essa propensão à uma maior confiança certamente serviu de mola propulsora para o quadro de expansão do número de mulheres em espaços de poder que temos mais de duas décadas depois.
Analisando pesquisas qualitativas em alguns municípios do Ceará na eleição deste ano, quase a totalidade dos entrevistados de várias faixas etárias, renda, escolaridade afirmaram que, ao pensarem em uma mulher na política lhe vem à mente a imagem de uma pessoa preparada, que sabe liderar e que vai fazer o município de desenvolver. Parece algo comum, pois nos últimos anos as mulheres têm ocupado muitos espaços de liderança, mas o grande diferencial se dá quando a outra opção que foi oferecida aos entrevistados foi a da imagem de “uma mulher que cuida das pessoas como se fosse uma mãe”.
No cenário político e, em especial no eleitoral, a imagem política delegada às mulheres sempre foi automaticamente a de “mãe”, a que cuida, a que fala de projetos sociais, a que está sempre acolhendo, quase sempre em detrimento das reais características de sua personalidade e atuação política. Essa mudança de percepção por parte dos eleitores nos chama a atenção para a importância da qualidade da imagem da mulher na política, muito mais que os números.
Quando se fala em igualdade de condições, os números não garantem necessariamente poder político. Os homens ainda estão em maior número em cargos representativos, mas a percepção dos eleitores ainda pesa mais sobre eles ao falar de desconfiança política. Uma abordagem numérica pura também enviesa a percepção real que temos de mulheres atuando politicamente, visto que estamos falando somente em cargos eletivos. Há mulheres em posição de poder político em diversas esferas não eletivas e faltam pesquisas quantitativas a esse respeito.
No cenário político temos ministras, secretárias federais, estaduais e municipais, coordenadoras, dirigentes partidárias, chefes de gabinete, consultoras e mais uma infinidade de posições nas instituições políticas públicas, privadas e do terceiro setor. Minha percepção não é baseada em uma amostra significativa, mas é uma tendência observada em uma das regiões consideradas mais machistas do país e tem algum significado, é uma brasa que promete incendiar as percepções em todos os espaços.
Por isso acredito sim que o saldo eleitoral de 2020, para a liderança feminina na política foi positivo. Os números são um retrato de questões que ainda estão em construção e eles nos dão um panorama de como elas vem evoluindo, mas focar apenas em números, em especial nos baixos índices, traz uma negatividade e uma sensação de falta de avanço. Aquela mulher confiável de 1994 é agora também capaz política e administrativamente.
É necessário estarmos atentas e atentos à subjetividade do comportamento eleitoral, isso nos revela a real tendência, que é a da percepção de que as mulheres têm competência política e administrativa e condições de exercer poder como os homens. No fim, quem sempre ganha é a democracia.