A história das mulheres com a política nem sempre foi pacífica. Apesar de, em um sistema democrático, todos os cidadãos terem direito a votar e ser votados, na história política brasileira esse direito passou por alguns obstáculos. No Brasil, essa luta começou pelo Nordeste, quando o governador do estado na época – José Augusto Bezerra de Medeiros – sancionou a lei nº 660, que no seu artigo 77 determinou que pudessem votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunissem as condições exigidas. O ano era 1928, porém a lei tinha abrangência apenas estadual (o que não deixou de significar um avanço e inspiração para outros estados).
Vale ressaltar que não havia proibição expressa do voto feminino na Constituição, mas haviam alguns impedimentos como renda mínima ou autorização de pai ou marido, o que, na prática, inviabilizava a manifestação de várias mulheres, ou seja, não era primordialmente uma questão legal, era cultural. O voto feminino veio de fato a ser regularizado na legislação de 1934. Em se tratando da segunda parte desse direito, o de ser votada, a primeira conquista foi com Carlota Pereira de Queirós, médica paulista e a primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal em 1934, tendo participado também dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte entre 1934 e 1935.
Certa vez ouvi um jornalista relatar que o então deputado Ulysses Guimarães falava com ele, em entrevista (nos anos de 1990) sobre as mulheres na política, ele afirmou que as esposas dos políticos tinham um papel fundamental na atividade política, que era o de servir como “bússola moral”, visto que observavam todos os movimentos e identificavam quais eram as conversas que circulavam no ambiente, quais as melhores alianças, quais os aliados em que se devia confiar etc. Era uma visão mais restrita da mulher na política, que não contemplava as candidaturas delas, mas com certeza já trazia um reconhecimento de sua participação estratégica e vocação para a atividade, rs.
Passadas três décadas convivemos com vários avanços e, ao mesmo tempo, práticas de retrocesso tais como o uso de mulheres para “guardar mandatos”, quando as esposas, filhas ou irmãs eram eleitas, mas não exerciam efetivamente o poder, e reconhecidamente eram objeto de manobra de seus cônjuges, pais, parentes e da agremiação política e as chamadas candidaturas-laranja, onde as indicações servem para preencher artificialmente a cota mínima de gênero e acessar o fundo eleitoral para uso pelos candidatos. Essa era (e infelizmente ainda é) uma prática muito ligada à noção de atividade política como herança em famílias que tem uma história política enraizada em suas atividades ou de mulheres como cidadãs de segunda classe.
Infelizmente, muitas dessas mulheres não são vítimas dos partidos ou ignorantes perante a lei eleitoral, são na verdade coniventes com tais práticas antiéticas e antidemocráticas, mas esse é outro assunto. Felizmente essa noção vem mudando, as mulheres abriram espaço na iniciativa privada em vários setores e também na gestão pública e vem ocupando espaços de poder onde defendem os interesses da sociedade e o avanço da participação política feminina. Atuar politicamente não se restringe a cargos eletivos, existem mulheres em posição de liderança política em vários setores da sociedade a partir da iniciativa privada e movimentos sociais. Naturalmente o passo seguinte se daria na ocupação dos espaços eletivos, até pela razão lógica de participar na elaboração da legislação e de políticas públicas que permitam ampliação da igualdade política.
Porém os espaços eletivos não são ocupados apenas com vontade, existem protocolos partidários (visto que não temos a previsão de candidaturas independentes em nossa legislação) e a interpretação equivocada (por vezes intencional) do artigo 10, parágrafo 3° da lei 9.504/97 contribui bastante para isso. A referida parte da lei não fala em momento algum sobre cotas para mulheres, na verdade expressa textualmente que deve ser observada a proporção mínima de 30% e máxima de 70% para cada gênero nas chapas eleitorais, ou seja, pode-se ter uma chapa com o mínimo de 30% de homens e 70% de mulheres, 60/40 ou 50/50.
Veja, é desproporcional que a maioria do eleitorado não tenha números semelhantes dentre representantes eleitos. De 2014 para 2018 houve um aumento de 50% no número de mulheres eleitas ao Congresso Nacional, mas em números reais significa que há 89 mulheres entre deputadas e senadoras em um universo de 594 congressistas.
Quero ressaltar, no entanto que o número reduzido de mulheres nos cargos representativos não significa necessariamente que as mulheres não estejam representadas. Há representantes homens que defendem as pautas femininas e pautas transversais que beneficiam a posição das mulheres na sociedade. A representação política não funciona como espelho.
Nas eleições 2020, entra em vigor a alteração produzida pela Emenda constitucional n° 97/2017 que extinguiu a coligação partidária para eleições proporcionais. Essa alteração exige que cada partido político monte sua chapa de candidatos, que neste ano será para o cargo de vereador, isso significa que passa a ser de responsabilidade de cada partido observar a proporção de gênero estabelecida pelo artigo 10, parágrafo 3° da lei 9.504/97 e também destinar a verba do fundo partidário e tempo na propaganda gratuita na mesma proporção. Antes os partidos diluíam essa proporção entre si dentro da coligação, o que não obrigava necessariamente cada partido a ter mulheres em suas indicações de chapa.
Na prática, essa alteração tem como efeito colateral positivo mais espaço de disputa para mulheres, e mais recursos. O que já vem sendo observado no investimento dos partidos em formação de lideranças femininas e campanhas de filiação.
Portanto, é possível que uma das grandes tendências da eleição de 2020 não seja apenas o aumento das ferramentas digitais de comunicação eleitoral e sim o incremento no número de candidaturas femininas e, consequentemente seu melhor posicionamento nas disputas de poder intra-partidárias. Vamos observar!