Desde que nos entendemos como humanidade formamos elos de convivência, sendo o primeiro deles conhecido como família, e a partir da família, vamos estabelecendo relações pelo mundo privado e social em formato de rede. Assim nasce o conceito de rede social, que é bem anterior às plataformas virtuais que temos hoje com esse nome. Rede social, como o nome já prevê, é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns.
Preste bem atenção qual é a base da estrutura da rede, objetivos e valores compartilhados, portanto é naturalmente uma experiência coletiva de interação.
Então no fim do século XX e chegando ao século XXI, temos as redes sociais em formato digital exponenciando esses “relacionamentos” à medida que permitem que os valores e objetivos compartilhados estejam livres da barreira física do espaço e do tempo. Assim entra em cena um dos significados dados pelo dicionário, que classifica a rede como um sistema de comunicação que permite o movimento de pessoas e suas ideias.
Através das redes são formados relacionamentos horizontais e não hierárquicos baseados em confiança e identidade (mesmo entre pessoas que nunca se viram). Do ponto de vista democrático é uma importante ferramenta na garantia do princípio de livre acesso às fontes de informação e um ponto em comum dentre os diversos tipos de rede social é o compartilhamento de informações, conhecimentos, interesses e esforços em busca de objetivos comuns. A intensificação da formação das redes sociais, nesse sentido, não se restringe ao entretenimento, reflete um processo de fortalecimento da sociedade em um contexto de maior participação democrática e mobilização social.
Do ponto de vista político, as redes sociais no formato digital incrementam a ideia de cidadania e de participação à medida que o cidadão deixa de se comportar como consumidor de ideias e informações e tem a possibilidade de assumir o controle sobre seus interesses, suas informações, suas escolhas e suas opiniões.
Mas, ainda segundo o dicionário, a rede também pode designar algo ou alguma coisa que tem função de aprisionar, de limitar a movimentação. Sendo assim, uma rede pode, além de expandir os relacionamentos sociais e visões de mundo, limitá-los e enquadrá-los a um ponto de origem no qual toda a rede se mantém debruçada sem expansão. A chamada “bolha de opinião” na qual você permanece sempre recebendo informações e opiniões com as quais já concorda e as métricas da inteligência artificial tendem a potencializar isso.
É basicamente o que acontece no mundo real em nossa zona de conforto, onde repetimos sempre as mesmas rotinas e os mesmos estímulos. Como resultado desses fatores podemos ver no momento atual as “redes sociais” funcionando como verdadeiros campos de batalha, pela opinião pública, por posições ideológicas extremadas, por padrões de consumo. Alguns estudos levantam a hipótese de que a bolha potencializa a polarização política, outros dizem que sair dela é que causaria esse efeito. Eu, particularmente acredito que a falta do contraditório é que causa uma distorção na visão de mundo e de democracia (já conversamos sobre isso no artigo sobre A síndrome do pensamento único).
Porém, como a liberdade anda ao lado do controle, estamos vendo uma tentativa cada vez mais incisiva de controle da atividade das pessoas nas redes sociais, em especial as relacionadas às questões políticas. É óbvio que as redes refletem a sociedade na qual estão inseridas, seja para experiências positivas ou para jogar luz às doenças sociais existentes, as condutas vedadas e os crimes no mundo social também se manifestam no mundo virtual e devem ser punidos. No entanto, tem havido em algumas situações uma dificuldade recorrente em definir o que são condutas não desejáveis e crimes puníveis. Em uma democracia, a liberdade de manifestação acarreta situações de conflito e isso é natural dentro dos limites sociais, mas parece que temos nos esquecido de ideia tão simples.
Assim observa-se abertamente, na última metade desta década, uma profusão de decisões judiciais que tentam limitar a liberdade nas redes sem conseguir tipificar com clareza o que é direito de expressão, informação e crime. Assim temos um conflito onde legisladores e autoridades judiciais brigam com a natureza da rede sem conseguir, em um primeiro momento compreendê-la e, posteriormente, regulamentá-la.
Não, redes sociais não são nem devem ser “terra de ninguém” e as regras sociais tem que ser estabelecidas. Mas há que se entender muito mais de comportamento social e político antes de sair por aí proibindo tudo e todos de maneira arbitrária, isso não é autoridade, é autoritarismo. A legislação, como princípio democrático, é um reflexo do ordenamento social e os legisladores deveriam saber disso, facilitaria muito mais a vida nesse mundo de redes e não de barreiras.