Conceitos não são xingamentos, por favor não os use assim!!

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Certa vez, em um debate (que eu achava ser) saudável com um colega de trabalho, um cientista social, fui chamada por ele de capitalista neoliberal. Levei alguns segundos para entender que ele usava os conceitos como xingamento, com a intenção de me rotular negativamente perante os colegas que participavam da conversa e confesso que achei espantoso tal uso dessas palavras.

Muitos anos depois, vejo que isso vem sendo feito de forma generalizada nos embates políticos (embates são diferentes de debates, debates são trocas de ideias e reflexões coletivas, não brigas) ou no dia a dia mesmo (fui apontada como “direita” em tom inquisitivo por uma pessoa em plena livraria por estar lendo um livro sobre fascismo) e, além da deturpação do uso dos termos, temos ainda a deturpação de seus significados. Apesar de estarem a um Google de distância, acredito ser útil fazer aqui um apanhado dos significados desses conceitos, comuns à teoria política, sociológica, histórica e filosófica, para que você saia por aí nesse ano eleitoral, munido (a) de muita informação e ajude a informar mais pessoas, para que possam escolher no que acreditar.

Pois bem, vamos à listagem dos mais difundidos atualmente: Esquerda, Direita, Autoritário, Fascista (poderia acrescentar mais alguns, mas passaria de um post a um glossário político,rs).

Esquerda/ Direita – para explicar estes, farei uma breve referência ao que é o espectro político. O espectro político é um sistema organizado graficamente em um eixo geométrico, utilizado para caracterizar e classificar diferentes posições políticas em relação umas às outras. O modelo original, datado do século XVII, era expresso por meio de uma régua onde se observava os eixos esquerda/direita e o ponto central, possuindo gradações nas direções como extrema-direita, extrema-esquerda, centro-direita, centro-esquerda, etc.

Os termos esquerda e direita foram criados durante a Revolução Francesa (1789–1799), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês. Os deputados considerados mais radicais e exaltados sentavam-se à esquerda do assento do presidente do parlamento, e os que demonstravam uma postura mais conciliatória e moderada, sentavam-se à direita. A partir do início do século XX, os termos Esquerda e Direita passaram a ser associados a ideologias políticas específicas como comunismo, socialismo, liberalismo, conservadorismo, etc., e foram usados para descrever crenças políticas dos cidadãos, substituindo gradualmente os termos “radicais” e “reacionários” ou “republicanos” e “conservadores”.

Em termos gerais, as principais diferenças entre as ideologias de esquerda e de direita se centram em torno dos direitos dos indivíduos e o papel do governo. Enquanto os grupos e partidos de esquerda acreditam que a sociedade é melhor conduzida quando um governo tem um maior papel como garantidor de direitos e promotor da igualdade entre todos, os grupos e partidos de direita acreditam que a sociedade progride quando os direitos individuais e as liberdades civis têm prioridade, e o poder do governo é minimizado. Assim a esquerda assume a crítica da desigualdade social, envolvendo uma preocupação com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e uma suposição de que há desigualdades que devem ser reduzidas ou abolidas. A partir do final do século XIX, a esquerda ideológica iria se referir cada vez mais a diferentes correntes do socialismo e do comunismo. O espectro da esquerda política varia da centro-esquerda à extrema-esquerda, sendo esta posicionada contra o capitalismo e com posturas mais radicais de “superação” (eufemismo para abolição) das estruturas democráticas e instauração da ditadura do proletariado.

A direita descreve uma visão ou posição específica que aceita a hierarquia social ou desigualdade social como natural, os direitos individuais e as liberdades civis como prioritários e defende a democracia representativa liberal, a liberdade de mercado e a interferência do Estado apenas como garantidor desses direitos. A direita original francesa era composta por políticos que defendiam a hierarquia, a tradição e o clericalismo. O conceito de direita varia entre sociedades, épocas históricas, sistemas políticos e ideologia. O termo extrema-direita é usado para descrever aqueles que são a favor de um governo absolutista, que usa o poder do Estado para apoiar um grupo étnico ou religião dominante e assim criminalizar outras etnias ou religiões.

Ocorre que, a partir da virada do século, os termos esquerda/direita passaram a ter limitações quando se busca falar sobre espectros políticos (mas não estão superados como alguns estudiosos proclamam), sendo importante observar o discurso das diferentes posições do espectro que vão do centro aos extremos, visto que, várias ideias associadas a um ou ao outro (tais quais liberalismo, democracia, etc.), são apropriadas dentro do ambiente político e de acordo com a conjuntura, sem a rigidez ideológica característica dos séculos onde se originaram.

Autoritarismo/Autoritário – o autoritarismo é, em linhas gerais, um sistema de liderança que tem como características principais a concentração e a exclusividade do exercício do poder por parte de uma só pessoa, ou de um grupo, em detrimento de instituições representativas. Em sentido amplo, abrange todas as formas de governo antidemocrático, ou seja, que não respeitam os procedimentos que garantem a participação e a competição política, tais como a eleição, nem e as instituições políticas que derivam desta.

O autoritarismo está entre os mais antigos sistemas de liderança e tem sido praticado por grandes nações há milhares de anos. A maioria dos reinos antigos, exerciam o autoritarismo, onde um monarca exercia o poder absoluto e completo e tomava todas as decisões relativas ao povo e ao reino por imposição da força ou manipulação do consentimento.

Como característica de sua forma moderna está a diminuição  da racionalidade entre os indivíduos que compõem a sociedade, na tentativa de levá-los a um quadro de alienação e desinteresse pela participação na vida política, produzindo uma submissão cega aos interesses do líder que detém o poder.

Fascismo/Fascista – é uma ideologia política caracterizada por poder ditatorial, repressão de opositores pelo uso da força, nacionalismos extremos, desprezo pela democracia representativa e pela liberdade política.

O fascismo apresenta-se de várias formas dentro das sociedades ao longo da história, mas se baseia frequentemente no culto a tradição, na comparação forçada entre dissidência e traição, o medo do que é diferente, o apelo à frustração social com os governos anteriores, a obsessão pela alegação de golpe, a educação para o heroísmo, um populismo seletivo e o uso de termos e linguagens novas visando descaracterizar o entendimento das pessoas sobre o significado das coisas e restringir a reflexão política. É um movimento de massa, com a participação de todas as classes sociais em que os líderes e os militantes, em grande parte, novos na atividade política, se dizem investidos de uma missão de regeneração nacional, considerando-se em estado de guerra contra adversários políticos. Fascista é, portanto, um adjetivo que define algo ou alguém adepto dessa ideologia.

Embora seja associado à extrema-direita, é fato que, historicamente o fascismo foi influenciado pela esquerda e pela direita, ou seja, como pertence ao campo dos conceitos e ideias, é passível de ser apropriado por diferentes posicionamentos.

Mas o que ninguém te conta é que, a despeito das definições conceituais, na realidade política não se pode classificar as posições ideológicas simplesmente como boas ou más, há que se distinguir as posições extremas de ambas. Como indicado, historicamente, tanto as variações do espectro político relativas à esquerda e à direita se apropriaram (e ainda se apropriam) de práticas autoritárias e fascistas (estas sim classificadas como más pela própria aplicação histórica), nem sempre em sua plenitude, como regime político, mas em algumas de suas características, o que pode nublar nosso entendimento e dificultar a percepção de seus usos em sociedades democráticas, seu uso como xingamento é um bom exemplo disso (óbvio que nem todos que usam esses conceitos como xingamento o fazem com consciência desse fato, mas acabam por encorpar algum movimento dessa natureza).

Aproveito ainda para lembrar que, apesar de não estar sendo usado como xingamento, o termo Democracia também participa constantemente desses embates e é, de longe, o conceito mais complexo e atualmente mais deturpado que existe. Dada a sua extensão de significado, falaremos sobre isso em outro post, me aguardem. Devido ao tamanho e à natureza desse espaço de diálogo, foi possível apenas um esclarecimento introdutório dos conceitos que, obviamente, tem uma grande abrangência de significados e nuances.

A partir daqui, espero que pesquisem os termos que mais lhe interessarem e, quando participarem de debates estejam aptos a utilizar os conceitos em contexto correto, podendo ainda reconhecer e combater os usos desses termos para atacar as pessoas.

Até o próximo post!

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