Em um livro de 1992, intitulado “Eleição é guerra”, o professor Carlos Manhanelli − um dos maiores nomes da consultoria política no Brasil – aprofunda a questão da importância do tratamento estratégico em uma campanha política e aproveita para expor uma reflexão sobre os comportamentos dos candidatos (as) e suas assessorias, em um debate sobre como as campanhas são (eram até a década de 90) e como deveriam ser, buscando a construção de uma visão mais ética e respeitosa do processo eleitoral.
O fato é que o poder é algo a ser conquistado, necessariamente em uma disputa e essa disputa pode ser via coerção, com a guerra bélica como conhecemos ou via consenso, no processo eleitoral. Nas duas situações buscam-se submeter outros à sua vontade, suas ideias e seus projetos políticos e, essa submissão pressupõe a derrota de adversários.
Erroneamente, nos tempos passados, as técnicas de marketing político foram deturpadas como instrumentos de uma guerra imoral que atacava a intimidade e a moral dos adversários envolvidos, contribuindo para denegrir a imagem do processo eleitoral como a forma legítima de obtenção do poder em uma democracia. Mas o leitor dessa coluna sabe que Marketing político não é nada disso, infelizmente como todo instrumento, o resultado de sua ação vai depender das intenções de quem o maneja.
A lógica de “ganhar a qualquer custo” resultou, por um longo tempo, em campanhas eleitorais sórdidas e mandatos políticos exercidos por pessoas sem as qualidades morais necessárias para o exercício da representação política. Afinal, se um candidato ou candidata tanta obter a confiança do eleitor (e consequentemente seu voto) através de mentiras, destruição pública do seu oponente e desrespeito à lei, certamente não será um bom representante e isso não tem a ver com a política. Não é a política que corrompe, é a ascensão de pessoas sem valores aos espaços de poder. E depois de algum tempo, essa ascensão levou ao pensamento generalizado de que “política não é lugar de gente de bem”.
A reflexão que o professor Manhanelli fez à época, vai no sentido de resgatar o princípio da eleição, a função da campanha eleitoral que, em essência, é o processo de seleção de representantes políticos e como Clausewitz bem colocou, “a política é a continuação da guerra por outros meios”. Sendo assim, a eleição é sim uma guerra, uma necessária e periódica batalha para conquistar corações e mentes e tem como objetivo a adesão a um determinado conjunto de ideias e a obtenção de poder.
Porém, basta assistir a qualquer filme sobre guerra na antiguidade ou ler a respeito das estratégias orientais, que há um respeito aos adversários e seus exércitos, há um reconhecimento dos valores que estão engajados naquela disputa. Não se tratava apenas de ganhar, era necessário ganhar em primeiro lugar o respeito, dos súditos e dos oponentes. Não estou dizendo, contudo que não havia sangue, suor e lágrimas e, certamente, muita gente ficou pelo caminho, muitos sentimentos vis foram empregados, mas uma vitória real tinha que ter certa honra.
Quase três décadas depois, o conhecimento da natureza humana, das relações sociais e a tecnologia à disposição não justificam mais uma postura de confronto que faça uso das piores características da natureza humana. Ao contrário, nos traz uma reflexão sobre quais os comportamentos eleitorais que ainda são empregados no cenário eleitoral contemporâneo e que não condizem com os princípios da guerra ou da democracia propriamente dita, tais quais o coronelismo e o clientelismo. Comportamentos esses que tem enterrado gradativamente os candidatos que ainda insistem em fazer uso deles em um campo de esquecimento e enfraquecimento de sua liderança política.
Os tempos mudaram e quase tudo está a um clique de distância, os comportamentos políticos são analisados por câmeras que estão nas mãos de qualquer pessoa, as opiniões são formadas em tempo real e quase sem intermediação, há uma maior liberdade de informação e, consequentemente de escolha. A guerra eleitoral do século XXI exige muito mais honestidade, ética e respeito ao eleitor.
Aquela postura que o professor Manhanelli já reivindicava aos candidatos e assessores em 1992, vem sendo exercida cada vez mais por consultores políticos qualificados e alinhados com as mudanças culturais, que buscam orientar seus candidatos em direção às necessidades dos eleitores e, por sua vez, candidatos que entendem seu papel como liderança política e buscam exercê-la para além da necessidade de poder pessoal. Muito tem mudado ao longo dos anos, mas ainda temos estrada pela frente.
Sim, alguns dos conceitos de guerra são empregados no processo eleitoral, sendo o central a estratégia e observamos também esse paralelismo nos termos como “campanha”, “adversários”, “domínio geográfico”, “monitoramento”, dentre outros. A partir daí importa não apenas usar a mesma linguagem, mas resgatar a honra da disputa, a legitimidade da vitória e, no processo, resgatar a ideia da “arte da guerra” como um processo que faz parte da disputa pelos espaços de poder no mundo contemporâneo e com isso resgatar a visão da disputa política e eleitoral como algo legítimo e positivo.
Para perseguir essa visão até certo ponto idealista (já que estamos lidando com a natureza humana em suas qualidades e defeitos) não devemos abandonar a visão Maquiavélica da realidade política e eleitoral tal como ela é, devemos na verdade observar atentamente como as coisas funcionam e como a conjuntura vai se modificando para intervir na realidade de forma responsável.
Você acha que essa é uma tarefa apenas para consultores (as) políticos ou candidatos (as)? Não, você como eleitor ou eleitora pode intervir nessa realidade deixando de compactuar com práticas que teimam em resistir e que não tem a ver com a lógica democrática, a lógica da guerra ou da política. Pense nisso!