Lançado em 2005 um excelente documentário chamado “Our brand is crisis”, sob direção de Rachel Boynton, oferecia uma visão da campanha de Gonzalo de Lozada à presidência da Bolívia em 2002, a partir da participação de uma empresa americana de consultoria em política.
O documentário apresenta estratégias eleitorais elaboradas pela empresa, com foco em técnicas agressivas de manipulação da opinião pública com o objetivo de readequar a imagem do ex-presidente em tentativa de retornar ao poder e reverter o quadro de rejeição instalado. Mais tarde George Clooney adquiriu os direitos para a adaptação ficcional do documentário e tendo Sandra Bullock no papel principal, o filme recebeu o título em português “Especialista em crise” sendo lançado em 2015. O filme foca no drama com a conhecida visão americana sobre a América Latina e uma caricatura negativa da principal estrategista política, tratando menos dos acontecimentos, razão pela qual eu recomendo o documentário original. Sem dar spoilers posso dizer que o documentário trata dos riscos envolvidos em se confundir ideologia e marketing, em especial dentro de uma democracia instável e que uma estratégia que garanta uma vitória não é necessariamente bem-sucedida.
A questão que vamos tratar nesse artigo não se refere ao uso do marketing político, ele é uma ferramenta e, como toda ferramenta, o resultado de seu uso deve-se às intenções de quem a maneja. As técnicas de marketing político visam, em essência, adequar a oferta de projetos políticos às necessidades dos cidadãos/eleitores e da sociedade em geral. No documentário são mostradas algumas etapas de uma consultoria política, mas o mais importante que revela é como ela não deveria funcionar.
Mas a referência cinematográfica me ocorreu ao observar o quadro político atual, com crises que se sobrepõem e que dificultam nossa percepção de quando e onde começaram. Apesar de não estarmos em ano de eleição (presidencial), a estratégia utilizada pelas forças políticas em atuação no cenário federal é a mesma, produzir sucessivas crises com o intuito de se apresentarem como os mais capazes para enfrentá-las. Para o governo essa estratégia “funciona” para a manutenção da imagem de força opositora, única detentora de coragem e capacidade de ir contra “tudo que está aí” e de alimentação para os eleitores cristalizados, aqueles que acreditam nas ideias e apoiam todas as ações do grupo.
Já para a oposição a finalidade da onda de crises é dificultar a governabilidade e sedimentar na opinião pública a percepção de que o governo é incompetente. Ao contrário da estratégia retratada no documentário, que visava apresentar o candidato como um exímio gerente de crises, nosso presidente, seus apoiadores e opositores revelam-se como excelentes geradores de crise, mas definitivamente não se mostram capazes de solucioná-las. Estamos envolvidos em um círculo vicioso que não permite que o país seja gerido em meio a uma crise real que é a da pandemia e que assuntos importantes para o funcionamento do país sejam discutidos.
A estratégia de geração de crises para desestabilizar os opositores tem possibilidade de funcionar em um período curto de tempo (como o eleitoral) pois obedece a um objetivo bem delimitado no espaço e no tempo, conquistar o poder. Para exercer o poder ela não é sustentável, nem do ponto de vista da governabilidade e muito menos da qualidade da democracia. Em meio ao quadro de crise constante, os embates ideológicos tornam-se as justificativas para a ação e decisões políticas, enviesando o debate público, o funcionamento das políticas públicas, descaracterizando a função e as relações entre as instituições políticas e a opinião pública. Sai do cenário o projeto de governo e de país dando lugar a um projeto de poder pessoal, seja de situação ou de oposição, que se desconecta das necessidades sociais, produz desconfiança e enfraquece a legitimidade democrática.
O cenário de crise é um resultado possível da correlação e forças políticas em uma democracia, mas seu uso como “ferramenta” sistemática de governo ou de oposição revela uma degeneração no exercício democrático e atesta a incapacidade dos atores políticos que a usam. Fiquemos atentos!