Vendo o noticiário nos últimos dias me perdi em pensamentos um tanto quanto existenciais. Mas eles não se referiam à minha existência individual, mas à nossa enquanto sociedade.
A grande novidade da semana com certeza vem da Rússia, que anunciou nesta terça-feira ter desenvolvido a primeira vacina contra o coronavírus, que esta estará, segundo o anúncio, disponível em larga escala em janeiro de 2021. Antes e após o anúncio, uma avalanche de opiniões divergentes sobre a veracidade da informação e a eficácia da vacina tomou conta da comunidade internacional. Alguns cientistas expressavam preocupação quanto à velocidade de desenvolvimento da vacina, enquanto a OMS questionava o respeito às diretrizes estabelecidas para os estágios de testes em humanos. Todos os posicionamentos com sua razão de ser, afinal tudo ainda está incerto no que se refere a essa doença.
Alguns comentaristas e políticos ao redor do mundo argumentaram que essa desconfiança se deve à falta de transparência que acompanha o regime político da Rússia, mas sabe-se que pode se tratar também de questões geopolíticas não necessariamente orientadas exclusivamente pelos ideais democráticos, afinal Estados Unidos e Rússia vivem em corrida tecnológica há décadas e, não isso nem começou com a ida à lua e nem terminou com a queda do muro de Berlim. Ressalto isso por que outro dos vários países que tem vacinas em teste também está em estágio avançado de desenvolvimento de uma vacina, a China, e ela também tem um regime político não democrático. Portanto, por que uma vacina chinesa seria confiável e a russa não? Não tenho resposta para isso, só sei que a importância e a necessidade de uma vacina questiona novamente a tolerância geopolítica a países com regime político autoritário e ficamos apenas com a esperança na capacidade (e na ética) científica e tecnológica dos países e a confiança às vezes relutante (depois de tantas ações e informações desencontradas) nas organizações de saúde internacionais que estão em diálogo com os países para se certificar dos resultados que vem sendo anunciados.
Em seguida, o governador do Paraná anuncia que assinou convênio com Rússia para aquisição de doses da referida vacina. No entanto, a ANVISA, órgão responsável pela supervisão de questões relacionadas à saúde em solo brasileiro confirma que não recebeu nenhum pedido de registro ou informação de nenhuma das partes até o momento. Esses dois momentos revelam mais um caso de sobreposição da lógica midiática em detrimento da ação política responsável, pois tal anúncio pressiona a opinião pública ao mesmo tempo em que viola as competências federativas.
Existe todo um processo entre a assinatura desse convênio e a efetiva vacinação das pessoas, que depende de troca de informações e mais testes para comprovar a real eficácia da vacina e, se a ANVISA constatar alguma irregularidade no decorrer desse processo e barrar tal convênio será condenada, no mínimo, pela população paranaense (além de brincar com a esperança das pessoas). Percebem como tudo isso é delicado e frequentemente tem sido tratado de forma leviana por alguns gestores (no Brasil e no mundo) e pela mídia, com informações apressadas ou insuficientes? Nas outras duas parcerias de pesquisa, com o Reino Unido e com a China, pelo menos tem havido clareza de que há um processo e informações claras sobre seu curso.
Outra questão que nos atingiu em cheio enquanto comunidade global foi a explosão na cidade de Beirute, no Líbano, semana passada. Em meio à devastação da pandemia, o episódio aflorou novamente a revolta da população libanesa com a atuação política dos grupos no poder, marcada pela corrupção e que tem arrastado o país por uma grave crise econômica e política há anos, agravada ainda por conflitos resultantes de extremismos religiosos. Tal cenário corrói toda uma cultura, encerra vidas e nos faz questionar novamente onde foi parar a humanidade, em especial a dos “chefes de estado” que deveriam ter por fundamento da posição a condução ao desenvolvimento da sociedade que dirigem. Felizmente vários países se mobilizaram para ajuda humanitária imediata, inclusive o Brasil.
Trago esses dois exemplos para que possamos pensar: Isso é política? Para mim, política ainda é aquilo que Aristóteles definiu como “a arte e a ciência de buscar o bem comum”. O que estamos vendo nessas duas situações com presidentes, primeiros-ministros, governadores, prefeitos e parlamentares, que se esqueceram de seu papel e fazem demagogia de proteção à vida enquanto aproveitam a vulnerabilidade social em momentos de crise para se apropriar do dinheiro público, é desvio de caráter em pessoas que ocupam cargos públicos.
Essas pessoas não são políticos de verdade, não são representantes do povo de verdade, tampouco fazem política de verdade. Suas ações visam única e exclusivamente projetos de poder pessoal. Não tem a ver com bem comum, com as necessidades sociais ou com o desenvolvimento de suas respectivas comunidades e nações.
O clima de eleição já está se formando em alguns países do mundo, incluindo o nosso. Em algumas semanas começa a propaganda na internet, rádio, TV e nas ruas e a partir daí seremos apresentados formalmente às opções disponíveis. Ouça as propostas, mas aproveite para buscar a história daquela pessoa, dê um “google”, compare se o que está sendo dito e proposto condiz com suas atitudes passadas, seja como pessoa ou como representante, caso já tenha ocupado cargo público. A coerência deve ser a alma desse negócio.
Já que temos que dar o voto “de confiança”, que não podemos prever se eles vão se degenerar nessas figuras referidas acima, cabe-nos pelo menos tentar estabelecer uma linha do tempo na conduta dessas pessoas que se apresentam pela primeira vez ou mais uma vez, com a pretensão de nos representar. Isso influencia muito mais do que você imagina em nosso curso como humanidade, hoje e no futuro.