Mais uma vez sinto a necessidade de falar sobre liberdade. O contexto de pandemia, agora girando em torno da questão das vacinas, traz ao debate mais uma vez o eterno dilema da vida em sociedade, a “escolha” entre liberdade e segurança.
É sobre esse dilema que é fundado o Estado. Em teoria Geral do Estado estudamos o processo que fez com que o homem, ao sair do estado de natureza (onde todos viviam em guerra contra os outros, em linhas gerais) em busca de uma pretensa segurança, aceitam ceder parte (ênfase no parte) de sua liberdade de escolha para fundar o ente “Estado” que teria regras de convivência mútua, respeito à propriedade e leis no assim chamado Contrato Social.
No entanto, o Contrato Social e seu resultado, a fundação do Estado, não eliminaram completamente o dilema e nem deveriam. Mesmo vivendo em sociedade, estamos constantemente tentando basear nossas escolhas sociais e políticas em torno da questão liberdade x segurança e, de acordo com Bauman, ambas são essenciais para uma vida pessoal e social satisfatória e recompensadora, portanto, devem estar presentes em nossa vida em doses equilibradas. Uma sem a outra pode degenerar em caos ou escravidão.
Aceitamos fornecer nossos dados e, em consequência, parte de nossa liberdade em favor da “segurança” dos mesmos dados (estranho não?). Minha liberdade de ir e vir e meu direito à privacidade são relativizados através da defesa da necessidade de vigilância para garantir a segurança (a minha e a dos demais) ao andar na rua, entrar em lojas, prédios, meios de transporte. Nossas digitais são usadas para acessar e “proteger” nossos dados nos celulares, notebooks e bancos ao mesmo tempo em que são armazenadas para uso de sabe-se lá quem ou para que.
Qualquer um que assista os filmes de Hollywood se depara sem grande espanto ou reflexão com softwares de reconhecimento biométrico ou de vigilância usados pelas equipes policiais ou de defesa para encontrar “bandidos”, mas que não deixam de esbarrar sem nenhum pudor na privacidade dos cidadãos em nome da tal segurança. Filmes ou livros (recomendo Fortaleza Digital de Dan Brown) nos levam a uma reflexão mais apurada sobre o mundo em que já vivemos e achamos que ainda está no futuro. Um mundo em que somos penalizados em nossa liberdade antes mesmo de representar qualquer ameaça à segurança, seja individual ou coletiva.
Trago essa introdução para voltar à questão da pandemia, onde muitos representantes políticos pelo mundo democrático não entenderam bem o que significa a democracia. A hipótese de cercear a liberdade das pessoas sobre sua saúde, liberdade de ir e vir e de fazer escolhas com a defesa de leis que obrigariam vacinação, aplicativos de rastreamento de pessoas infectadas, prisões de pessoas que circulavam nas ruas.
Vemos então alguns desses representantes insistindo em referenciar a postura chinesa de “controlar” seus cidadãos, garantindo assim sua “segurança” e saúde. Quem, em sã consciência, entende o que é democracia e a fragilidade do princípio da liberdade, sabe que essas posturas de controle não são celebráveis, são uma degeneração.
Entendo que, diante de uma pandemia nunca vista pelas gerações atuais, podemos tender a relativizar essa liberdade diante de discursos que defendem nossa segurança a todo custo, mas é importante entender que essa segurança real vem de conscientização, de educação. Precisamos ter uma cultura de comunidade, de entender que vivemos em uma sociedade na qual minhas decisões sobre minha vida pública e privada podem interferir na coletividade. Se você quer vacinar seu filho contra sarampo, se quer ser vacinado (a) contra o coronavírus, se quer ter educação domiciliar, se joga lixo na rua. Das menores às maiores decisões coletivas, tudo tem um reflexo no bem comum. Enquanto não entendermos nosso lugar político continuaremos a defender certos absurdos que aparecem velados em discursos de proteção ou de protesto.
Não apoio nenhum discurso de desinformação sobre a pandemia e a vacina por parte de representantes políticos. É necessário que esses mesmos representantes estimulem posturas de proteção social e colaboração dos cidadãos para o reestabelecimento da saúde global e é papel deles informare educar. Defendo que as pessoas tenham escolha e que a façam de maneira informada e entendendo suas consequências sociais e não movidas por extremismos discursivos distorcidos ou obrigadas por mecanismos de coerção física ou jurídica.
Sempre haverá os que irão contra o que é considerado o bem comum, os que, com suas decisões, colocarão outros em risco. Mas isso também é (para o bem ou para o mal) liberdade, liberdade de opinião, expressão, manifestação. Você pode não concordar e isso é seu direito, mas se você não defender o direito do outro de discordar assim como defende o seu, a próxima liberdade a ser cerceada pode ser a sua e aí sim, sua segurança estará em risco.