Nossa conversa dessa semana surgiu enquanto olhava minha estante e se destacou a série de livros da Fundação[1], de Isaac Asimov, famoso escritor de ficção científica e inventor do termo “robótica”. Na série ele tece uma narrativa sobre uma sociedade do futuro e que baseia sua gestão na Psico-história, uma ciência derivada da combinação entre história e matemática, e que buscava prever acontecimentos futuros e tendências por meio de fórmulas matemáticas e, assim tentar evitá-los (se fosse desejável), moldando o comportamento político e social dos cidadãos[2]. A Psico-história funcionava apenas para sociedades inteiras. Para uma elaboração matemática precisa, era necessário que fosse feita a avaliação sociológica, cultural e econômica de sociedades com muitos milhões, ou bilhões de indivíduos, ou seja, em massa. Era totalmente ineficaz a tentativa de aplicá-la a indivíduos, porque o indivíduo é imprevisível.
Os livros em si ensejam inúmeras reflexões políticas, econômicas e sociais, mas cada vez que os leio (sim, leio os livros várias vezes ao longo dos anos, rs) penso sobre a relação entre essa ciência fictícia e os moldes do comportamento político de determinadas sociedade e/ou épocas históricas. Às vezes chego a pensar que a organização da sociedade possa ser incompatível com a natureza humana, ou ainda, que o circulo virtuoso (e o vicioso) da política se desenvolve a partir dos imperativos da liberdade e da dominação. Então escolhi esse tópico para nossa conversa da semana, afinal, por que o exercício do poder político presupõe alguma forma de previsão? de controle? Bem, uma resposta simples seria “o medo do desconhecido”, “para minimizar ameaças” e algo do tipo. Na verdade essa nem é uma resposta simples, esse sentimento deu origem ao Estado e à sociedade, conforme os teóricos da formação do Estado como Hobbes, Locke, Rousseau, etc. Segundo essas teorias, para vivermos em harmonia se fazia necessário o estabelecimento de algumas regras que deram origem às leis que fundamentam o Estado.
Mas não estou falando desse tipo de regulamentação, essa é realmente necessária para que haja governo, cidadania, respeito ao outro e organização da sociedade como um todo. Estou falando da “alma da multidão”! Em uma teoria ainda hoje não superada (embora atualizada de forma notável nas últimas décadas) como referência da interface entre política e psicologia, traduzida no livro A Psicologia das Multidões de 1895, Gustave Le Bon faz uma reflexão sobre como o comportamento dos indivíduos em coletividade destoa de sua natureza individual e como isso influencia no comportamento político de uma sociedade, o que nos serve à reflexão sobre a sociedade de massas em que vivemos e, mais precisamente o mundo atual, dominado por redes sociais.
Em sentido comum Multidão é a reunião de indivíduos quaisquer, independente de sua nacionalidade, sua profissão ou sexo e dos acasos que os aproxima. Do ponto de vista psicológico, o significado é outro: “…uma aglomeração de homens possui características novas muito diferentes daquelas de cada indivíduo que a compõe. A personalidade consciente desaparece, os sentimentos e as ideias de todas as unidades orientam-se numa mesma direção. Forma-se uma alma coletiva…” (p.29). Conseguem ver, caros internautas, por que as redes sociais facilitaram a reunião de grupos (para fins positivos ou negativos)?
Uma das características interessantes apontadas por Le Bon é que a multidão “pensa” por imagens. “As ideias sugeridas às multidões só podem se tornar dominantes na condição de adotarem uma forma muito simples e estarem representadas em seu espírito sob o aspecto de imagens”(p.62). Conseguem ver aqui a similaridade dessa descrição com o comportamento da “internet”[3] em nossa sociedade atual? A razão do sucesso de redes como Instagram e You Tube, baseadas em imagens?
Mas o que ninguém te conta é que nada disso é por acaso, faz parte da lógica do poder, da correlação de forças da sociedade, do mercado e não é, necessariamente negativa. Não é tudo uma grande conspiração, é na verdade, a forma como o poder se estabelece na sociedade e como a política funciona.
Entende agora por que existem padrões de tudo? Beleza, imagem, consumo, etc. São padrões de comportamento e, para gerir as sociedade nas escalas dos milhões de cidadãos, é necessário mantê-los, em certa medida, em estado de multidão, seguindo padrões de comportamento. Obviamente não permanecemos nesse estado constantemente, mas ele é compatível com a nossa necessidade psicológica de pertencimento, razão pela qual aderimos voluntariamente. Temos ações e pensamentos individuais, mas eles encaixam em uma narrativa coletiva que orienta nosso comportamento político, orienta nosso comportamento eleitoral e molda nossa cultura política.
Lembre-se disso sempre que ouvir os discursos baseados em “quebrar padrões”, nem todos os padrões são negativos (alguns realmente o são), nem tudo precisa ser quebrado, destruído. Reflita sobre os padrões sociais que tem reproduzido. Eles são mesmo “bons para o planeta”, “bons para a sociedade”, “bons para sua comunidade e para você”? Se o são, ótimo, é assim que funciona. Se não, assuma seu poder pensante e pare de se comportar como a multidão irracional que repete padrões nocivos, seja na internet ou na vida!
Boa semana!!!
[1] A trilogia da Fundação é uma obra em três volumes de Issac Asimov, lançada na década de 1940.
[2] Parece estranho que o nome seja psico-história, já que tem base na matemática e na histórica, mas refere-se à interferência dessas “previsões” no comportamento coletivo, domínio psicológico.
[3] O termo “internet” está entre aspas, pois o uso como referência de identidade coletiva no mundo virtual.