Temos muita gente apostando que a eleição de 2020 será digital e, com ela vamos carimbar de vez o passaporte para ver a Internet e, em especial as redes sociais, dominarem a comunicação política e eleitoral.
Mas…não é bem assim! Veja, sempre que uma tecnologia surge ela modifica as relações sociais e, em consequência, o agir político. Foi assim com a invenção da imprensa no século XV, com o rádio e a Tv e, mais recentemente com a Internet. No nascedouro dessas tecnologias, todos afirmavam categoricamente que a anterior havia morrido e que daquele momento em diante só haveria o novo.
Mas a natureza humana é bem diferente dessa automação toda, nós precisamos de tempo para nos adaptar a qualquer mudança ambiental e cultural e a tecnologia traz a mudança nesses aspectos. Sem falar da importância histórica e afetiva, afinal quem ia jogar fora a Tv que custou uma fortuna só por que tem Internet? As gerações atuais dominadas pela velocidade do consumo não conseguem entender bem esse apego, mas basta conversar com seus pais e avós e você saberá da importância que tiveram esses avanços e o valor afetivo envolvido com essas tecnologias.
E é exatamente com base nesse valor afetivo, que compreende um traço cultural ligado à tradição que lhe digo essa eleição não será 100% digital, e nem as próximas. Estamos fantasiando com o poder onipotente das tecnologias digitais há dez anos, desde a eleição de Obama em 2008, passando pela eleição de Bolsonaro em 2018. Ocorre que nas duas ocasiões tivemos marcos de importância da tecnologia digital na política, a partir do cenário eleitoral. Com Obama tivemos um maior engajamento dos eleitores para doações financeiras e a possibilidade de coleta de dados. Com Bolsonaro tivemos a real possibilidade de dialogar diretamente com um cidadão/eleitor, em tempo real, e aproximar o candidato dos anseios daquele público, rompendo a barreira unidirecional da mensagem veiculada na Tv.
Mas nenhuma das duas campanhas poderia ter sido feita sem uma estratégia bem definida, sem que houvesse um planejamento sobre o que cada campanha queria da Internet e das redes sociais. Obama queria dinheiro para financiar seu tempo de tv, Bolsonaro queria apoio massivo à sua causa. Mas nenhum dos dois deixou de se comunicar nas ruas, de ter contato com as pessoas, de conversar olho no olho.
A eleição, como parte fundamental da atividade política, é um fenômeno cultural. Seu sucesso depende do estabelecimento de um relacionamento entre as partes, eleitor (a) e candidato (a) e esse é um relacionamento afetivo e festivo. Esse ano nos mostrou que as telas são alternativas importantes, mas ainda são frias, não bastam para consolidar um relacionamento.
Alguns encantados defendem que daqui pra frente toda eleição seja digital. Essa defesa é feita por quem claramente desconhece dois fatores: 1. A heterogeneidade presente no país (econômica, cultural e educacional) e; 2. O papel da eleição como um ritual. O território brasileiro não é completamente assistido pela internet, nem todos tem poder aquisitivo para possuir a tecnologia e muitos outros não tem capacidade educacional para utilizar todas as ferramentas disponíveis. Temos muito mais acesso nas tecnologias estabelecidas como a Tv e, em especial o rádio, e uma história com eles.
A eleição não é conhecida como a festa da democracia à toa. É nela que se estabelece e reestabelece o vínculo de confiança entre o cidadão e seus representantes e a legitimidade é concedida através do voto. Confiança se estabelece ao conhecer, conversar, olhar no olho, tocar. Teremos uma campanha em grande parte virtual esse ano, de maneira excepcional, mas ainda não acredito que 100%, as pessoas vão pra rua com o sentimento de pertencimento, unidas pelas ideias que defendem, pelas necessidades que compartilham e querem reconhecer isso no momento em que tem maior acesso aos representantes.
Sobre a campanha 100% digital? Com certeza é apenas um sonho bem distante, nem nos filmes de ficção científica a tecnologia substitui a interação humana